Ao editar a Resolução n. 253/2018, o Conselho Nacional de Justiça – CNJ reconheceu com todas as letras que “tradicionalmente o Poder Judiciário tende a desconsiderar a violência do racismo”.
Embora não possa ser generalizado, esse desapreço pelas vítimas de delito racial ou religioso poder ser examinado por vários ângulos.
Na esfera civil, por exemplo, recentemente um Juiz de Direito citou comoventes “juramentos antirracistas” na sentença para condenar um condomínio de luxo a pagar a mísera quantia de 20 mil reais a um visitante negro humilhado durante longos minutos na portaria do residencial.
Seriam vinte mil reais suficientes para desestimular um condomínio de luxo a voltar a discriminar, conforme determina o STJ? Não é preciso ser versado no tal de letramento racial para arriscar uma resposta aceitável.
Já na seara criminal, a jurisprudência inventiva realiza desengonçados contorcionismos interpretativos visando tornar o delito racial um crime de bagatela, dando de ombros à Constituição Federal, tratados em vigor e leis federais.
Esse tipo de acrobacia interpretativa, por assim dizer, é cansativo e antigo. Lembremos que a primeira condenação do Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos, por discriminação racial, resultou justamente do fato de o Ministério Público paulista concluir que um anúncio de emprego manifestamente racista não teria qualquer relevância jurídica.
O inquérito policial terminou arquivado e a guerreira negra Simone Diniz recorreu à Corte e obteve uma vitória histórica, sob a batuta dos exímios advogados Flávia Piovesan e Sinvaldo José Firmo.
Estávamos em 1997 e à época o arquivamento não admitia qualquer tipo de recurso.
Em 2019 esse quadro pode ter mudado significativamente, em benefício das vítimas, com a aprovação da lei 13.964/19.
A partir do julgamento das ADI´s 6298, 6299, 6300 e 6305, pelo STF, o Ministério Público é obrigado a notificar a vítima caso entenda que o inquérito deva ser arquivado.
O Judiciário somente poderá homologar o arquivamento após recurso da vítima e reapreciação da matéria por instâncias superiores do Ministério Público.
Trata-se de instrumento de controle social sobre o processo penal imprescindível num país em que incontáveis atores do sistema de Justiça tendem a desconsiderar fatos, provas e normas jurídicas substituindo-as por suas convicções raciais.
Cabe aos(às) advogados(as) das vítimas aprimorarmos nossa atuação e assumirmos papel proativo na disputa pela interpretação do sistema jurídico, sem a qual a impunidade prosseguirá prevalecendo quando o assunto é violação de direitos motivada por clivagem racial ou religiosa.
Caso o(a) leitor(a) tenha interesse nesses temas, fique atento(a) ao lançamento do nosso curso “Prática Jurídica em Casos de Discriminação Racial e Religiosa”.