Um livro publicado em 2019 pelos advogados Cristiano Zanin, Valeska Martins e Rafael Valim, então defensores do Presidente Lula, popularizou no Brasil a expressão lawfare, “guerra jurídica”.
Lawfare significa uso do aparato jurídico para fins ilícitos, arbitrários; é a tirania, o abuso, a perseguição envernizada de legalidade.
Daí o título desse artigo: a contravenção penal de perturbação de sossego foi transformada por setores neopentecostais em verdadeira arma de guerra contra as religiões afro-brasileiras.
O problema se agrava pelo fato de que frequentemente esse estratagema acaba sendo validado, por assim dizer, por delegados de polícia, promotores e juízes.
Meses atrás viralizou nas redes um vídeo no qual maus policiais constrangiam um sacerdote do Candomblé, forçando-o a retirar adereço religioso e obrigando-o a acomodar-se no cubículo do “camburão”, o navio negreiro dos nossos dias.
Vamos por partes. Templo religioso é equiparado a domicílio e dado que contravenção penal não é sinônimo de crime, a polícia não poderia invadir o terreiro porque não existe prisão em flagrante de perturbação de sossego.
Não sendo admitida voz de prisão, bastaria o deslocamento do sacerdote até a Delegacia (a rigor, até o Juizado), o que poderia ser feito inclusive no seu próprio veículo.
Segundo a lei, sequer é necessária instauração de inquérito policial, bastando o termo circunstanciado.
Há mais. Diz a Lei das Contravenções Penais que a tal perturbação deve ser do “sossego alheios”, no plural, por isso a jurisprudência exige pluralidade de vítimas, vários reclamantes e não um único incomodado.
No dia a dia, entretanto, um único vizinho, normalmente um neopentecostal, utiliza a lei e o sistema de Justiça para asfixiar, perseguir e atazanar os terreiros.
Recentemente obtivemos uma liminar em Habeas Corpus que cassou sentença do Juizado Criminal do Pará que pretendia expulsar uma Sacerdotisa Umbandista de sua residência à qual é anexado um templo.
Trata-se de vitória histórica e que comprova que o mesmo direito que oprime pode ser um instrumento de libertação.
Nos próximos artigos falaremos mais sobre esse e vários outros casos em que atuamos, “pro bono” em defesa da igualdade racial e da liberdade de crença.