Política nacional para Povos de Terreiro será útil para área rural ou de preservação ambiental

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O Decreto federal n. 12.278/2024 instituído pelo Presidente Lula no último dia 29 de novembro configura uma valiosa ferramenta na luta contra o racismo religioso especialmente porque reafirma a necessidade de “criar mecanismos de enfrentamento ao racismo e discriminação religiosa”.

Mesmo sem descrever esses mecanismos e apontar prazos, metas e orçamento reservado para a política, o decreto fortalece a luta histórica do Povo de Terreiro.  

Mas atenção: o decreto destina-se àquelas unidades “que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica” (art. 2º, § 1º).

São os povos indígenas, quilombolas, mas também seringueiros, castanheiros, quebradeiras de coco-de-babaçu, pescadores artesanais, catadores de mangaba, entre outros.

A esmagadora maioria destas comunidades situa-se em área rural, possui economia de subsistência (plantam e produzem para o próprio consumo) e tem tradição extrativista, isto é, extraem produtos da natureza destinando-os para finalidade comercial ou industrial.

Foi justamente esta tradição extrativista que deu origem a expressão “comunidades tradicionais”.

Há décadas o Brasil possui regras constitucionais, tratados internacionais, leis e decretos que utilizavam a expressão “populações tradicionais”, tratadas como unidades de conservação ambiental.

Apesar de sua grande utilidade, o decreto presidencial obviamente não alcança 99% dos terreiros de Candomblé, Umbanda, Batuque, etc. os quais situam-se em área urbana, não têm economia de subsistência tampouco tradição extrativista.

Há mais: o racismo religioso e seus lacaios insistem em negar às Religiões Afro-brasileiras o status jurídico de religião, previsto na Constituição Federal e no Estatuto da Igualdade Racial, sancionado pelo Presidente Lula em 2010.

Como todos sabemos, um decreto federal não está acima da lei federal, no caso, o Estatuto da Igualdade Racial.

Ainda assim anos atrás um Juiz Federal do Rio de Janeiro escreveu numa sentença que “As manifestações religiosas afro-brasileiras não se constituem em religiões (…)”.

Por estas e várias outras razões devemos utilizar o decreto presidencial naquilo que ele pode ser útil mas não podemos abrir mão de lutar pelo reconhecimento das Religiões Afro-brasileiras como religião, no sentido jurídico do termo.

Religião não pode ser reduzida nem confundida com unidade de conservação ambiental, comunidades de pescadores ou de quebradeiras de coco.

Religião ou religiões afro-brasileiras são instituições mais complexas, imemoriais e estruturantes do que comunidades tradicionais, inclusive as comunidades quilombolas.

Até que a Constituição Federal e as leis sejam alteradas, quem sabe criando o crime de “intolerância tradicional” em vez de “intolerância religiosa” as lideranças sérias devem continuar acreditando e difundindo a legislação vigente e os direitos que ela assegura a todas as confissões religiosas, inclusive a matriz africana.